21 de jul. de 2009

Noel Rosa com pitadas de jazz

Sara Saar
Especial para o Diário

Boêmio por excelência, o carioca Noel Rosa assina mais de 200 canções, feitas durante um período relativamente curto - nasceu em 1910 e morreu em 1937. Clássicos como Palpite Infeliz, Com que Roupa e Fita Amarela atestam que o sambista nunca deixou de ser reverenciado por ícones da música brasileira. A Banda Jazz Sinfônica de Diadema percorre esse universo em seu segundo disco, que está em fase de finalização e deve ser lançado em 8 de dezembro, aniversário de 50 anos da cidade.

O trabalho deve lançar um olhar diferente sobre a obra do autor. "Noel recebe arranjos modernos com elementos do jazz que não estão no original. Há também solos improvisados, mas, em geral, procuramos preservar o ritmo brasileiro", adianta o regente titular da Banda, o norte-americano Todd Murph, radicado no Brasil há 15 anos, depois de ter concluído o mestrado em Música (Performance em Trombone e Baixo), pela Universidade de Miami.

Apesar de ter outro berço cultural, Murph conta que não foi nada difícil se aproximar da obra de Noel. "Cheguei ao Brasil e já o ouvi. É inevitável, assim como Pixinguinha, Ari Barroso e outros mestres", declara.

A habilidade incomum de Noel para unir texto e melodia - com rimas que surpreendiam pela raridade - foi um dos motivos para o grupo elegê-lo neste trabalho, mas também ajudou o fato de suas canções serem de domínio público.

Entre as 11 faixas do disco, Três Apitos recebe duas versões com arranjos de Murph: uma instrumental e outra com a voz da paulista Fabiana Cozza, um dos grandes nomes da nova safra do samba, que tem se apresentado ao lado de artistas como João Bosco. Apenas essas duas versões foram gravadas com separação de instrumentos. As demais foram registradas ao vivo.

O disco ainda recebe arranjos para composições como Quem Ri Melhor, Meu Barracão e Último Desejo. "O CD já está pronto. Só falta mesmo a duplicação. Já existe interesse de uma gravadora, que leva em conta os 100 anos de Noel Rosa em 2010", afirma o diretor artístico da Banda, Paulo Assis, reforçando a intenção do grupo de fazer o lançamento comercial da obra.

ENSAIOS - Enquanto o CD não sai, trabalho é o que não falta. O grupo ensaia duas vezes por semana: às segundas-feiras, na Casa da Música, e às quartas, no Teatro Clara Nunes. Ao todo são 26 integrantes, que se diferenciam na formação musical e no comportamento durante o ensaio, como conferiu o Diário. Enquanto uns ficam atentos às orientações do regente, outros, mais extrovertidos, costumam questionar, esclarecer dúvidas e até fazer brincadeiras.

Murph tem uma explicação para essas diferenças: "Os mais disciplinados são formados em música erudita. Quando falo, eles param. Do outro lado, estão os da música popular. Eles são bem mais bagunceiros. Sou um pouquinho duro com eles, mas são assim mesmo. Gostam de brincar, fazer piadas nos ensaios. Até acho legal", diz.

Um exemplo é o baterista Douglas Andrade, que logo no início do ensaio faz perguntas sobre o compasso da música "A Night in Tunísia", de Dizzy Gillespie, com arranjo do maestro José Branco. Ele coloca a mão no queixo, escuta as observações do regente - que se apoia no estalar dos dedos -, e volta a questionar enquanto o trecho é repetido por diversas vezes. Foi uma observação, digamos, sisuda. Mas também não falta bom humor em suas considerações: "O baixo está parecendo terreiro de macumba ou aqueles pagodes, sabe?", comenta, em outro momento. E a risada é geral entre os colegas.

Com predominância de homens - que moram em São Paulo ou Diadema, e tocam em outras orquestras -, a banda tem subgrupos porque poucos lugares comportam a orquestra completa. Há quarteto de saxofones, quarteto de trombones, quinteto de metais, quinteto de madeiras, além da cozinha com baixo, piano, bateria, guitarra e percussão.

No intervalo para o café, alguns começam a tocar instrumentos individualmente; outros aproveitam para conversar com colegas e até esclarecer dúvidas. O arranjo que o ex-trombonista da orquestra, Paulo Malheiros, criou a partir de Atmosfera, de Raul de Souza, dá continuidade ao ensaio.

A banda ainda possui outros três arranjadores: o guitarrista Carlos Iafelice e os saxofonistas Paulinho Camelo e Brad Berendes - o último também é norte-americano e integra o grupo desde 2001, início da formação. Ele já acompanhou artistas como Paulinho da Viola, Alcione e Beth Carvalho.

Para Murph, cada maestro tem um estilo particular. Sempre com um lápis na mão, ele não gosta de parar a todo o momento porque os músicos também querem tocar. Mas não deixa nada grave passar batido. Um trecho pode ser retomado várias vezes até sair limpo. Quando percebe um erro sutil, prefere fazer as observações ao final.

O vocalise - técnica vocal para reproduzir o ritmo - é um dos recursos que Murph utiliza. Ele também deixa o corpo seguir o som e faz marcações com o pé. "Eu não sou regente de orquestra sinfônica (risos). Na música popular, a gente usa também mão, pé, cabeça. É normal", conta ele.

AMOSTRA - O disco que traz canções de Noel Rosa não é o primeiro trabalho do grupo. Em 2005, os músicos gravaram CD com samba, bossa nova, jazz e blues. "Foi a primeira coisa que fiz como maestro. O CD não foi lançado oficialmente, mas é uma amostra da banda". Seu relançamento é uma vontade do grupo, mas exige mais despesas com pagamento de direitos autorais.

AGENDA - Com o projeto Jazz Convida, a banda já tem alguns concertos programados. Em 28 de agosto, às 20h, o saxofonista Vinícius Dorim se apresenta com o grupo no Teatro Clara Nunes (Rua Graciosa, 300, Diadema - Tel.: 4056-3366). O repertório ainda precisa ser fechado, mas "A Night in Tunísia", de Dizzy Gillespie, e "Atmosfera", de Raul de Souza, são possibilidades do espetáculo. "Será um show bem misturado com jazz e samba. O cara é igual ao Ronaldo, realmente um fenômeno. Um dos melhores músicos que conheço", adianta Murph.

No dia 16 de setembro, será a vez do violonista Francisco Araújo subir ao palco com o quinteto de madeiras, também no Teatro Clara Nunes, às 20h. E em 14 de agosto, às 18h, a banda se apresentará no Shopping Praça da Moça (Rua Manoel Nóbrega, 712, Diadema). Todas as atrações têm entrada franca.

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