7 de set. de 2011

A paz exige perseverança pela vida


Por Mário Reali e Arquimedes Andrade*
Até o final dos anos 90, o município de Diadema enfrentava uma guerra urbana em que a presença da morte era parte do cotidiano dos seus moradores. A taxa de homicídios em 1999 era de 111 para cada 100 mil habitantes, trazendo como consequência, além da perda considerável de vidas, o definhamento do seu potencial econômico, portanto, da geração de emprego e renda. No mesmo ano, em plena vigência da política econômica neoliberal, a cidade tinha 300 empresas a menos do que tem atualmente, e tinha 45 mil desempregados. Em número absoluto foram 374 assassinatos, mais de um por dia, vitimando, em sua maioria, jovens que nem tiveram oportunidade de exercer seus direitos.
Já em 2011, Diadema apresentou o menor índice de homicídios no primeiro semestre em sua história, contabilizando 15 ocorrências no período de seis meses. Porém, tal mudança não ocorreu da noite para o dia, havendo um constante trabalho de estruturação do sistema de segurança desde 2001, ano em que se observou que não haveria alternativa senão investir em uma política de segurança pública, com a criação de diagnósticos e pesquisas sobre o tema, através dos quais se buscaria fundamentalmente a queda do número de homicídios e a recuperação da auto estima dos diademenses.
O passo inicial foi a criação da Secretaria de Defesa Social que, além do seu aspecto operacional, simbolizava que o município assumia sua co-responsabilidade pela segurança dos seus moradores. Desde o início deste processo foi definido que a Guarda Civil Municipal, em conjunto com as polícias Civil e Militar, deveria desempenhar um papel atuante sem extrapolar, contudo, os limites do exercício da cidadania.
A meta era garantir uma repressão qualificada, de uma forma que o cidadão se sentisse protegido, ao invés de ter medo do aparelho de segurança pública. De forma complementar, foi implantada uma política pública municipal integrada e transversal, dado que não se acredita que a criminalidade se resolva apenas com repressão policial. Assim, a atuação das áreas de saúde, educação, meio ambiente, esporte, cultura, lazer, foram direcionadas para os locais com os maiores índices de vulnerabilidade social e de criminalidade.
Também criou-se um sistema de monitoramento da política de segurança, que foi calcada sempre em duas vertentes: De um lado, o mapeamento diário dos crimes ocorridos no município, baseado no número de BOs lavrados nas delegacias policiais. Essa análise qualificada dos indicadores criminais mostrou que, durante a madrugada, 60% dos homicídios ocorriam próximos a bares e similares, o que levou a Câmara Municipal a aprovar, em 2002, a “Lei Seca”, que limitou o horário de funcionamento dos estabelecimentos até as 23 horas.
A outra vertente privilegiou o trabalho integrado entre a União, o governo estadual e o município, com objetivo de envolver todos os atores na construção da política de segurança municipal, como trabalhadores da área da segurança, gestores e os moradores, estes sendo os beneficiários finais das ações de combate à violência, sempre respeitando o pacto federativo.
Percebe-se que a política de segurança pública de Diadema pode ser aproveitada em outras regiões do país e do mundo, sempre respeitando as peculiaridades locais, porém a metodologia pode e deve ser adaptada: diagnóstico, planejamento, execução e avaliação, que devem ter dois importantes focos: correção de rumos e retroalimentação, além da constante participação popular, que legitima e qualifica a política. Para se ter uma idéia do exemplo que Diadema pode dar aos municípios, o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania), criado no início do segundo mandato do presidente Lula, se inspirou em diversas políticas municipais, dentre as quais a oriunda de Diadema.
Além disso, diversas delegações estrangeiras têm visitado o município, que em 2010, foi o único da América do Sul convidado pela Organização Mundial da Saúde, em Genebra, para expor sua experiência, também na melhoria de atendimento na saúde pública e não apenas na segurança.
Contudo, é preciso ter claro que as ações de aperfeiçoamento na área da segurança pública são contínuas, uma vez que a dinâmica criminal é extremamente variável. No final de 2008, Diadema foi o primeiro município no país a implantar o Gabinete de Gestão Integrado Municipal (GGIM), que se reúne regularmente, com as presenças do chefe do executivo, secretários municipais, representantes das polícias civil e militar e do Pronasci no estado de São Paulo.
As intervenções definidas são baseadas nos levantamentos diários dos dados de criminalidade e também de outras situações que podem levar a novos crimes.  Em julho de 2010, Diadema iniciou a Operação Integrada de Fiscalização, que visa além do fechamento de bares, também o controle do barulho e monitoramento dos pancadões, que são festas em locais públicos que geram altos índices de sons e ruídos, e que constantemente encontra-se casos de consumo e venda de drogas ilícitas.
O programa também procura informar aos comerciantes e moradores sobre a legislação que controla a venda de bebidas alcoólicas após as 23 horas, além de informações para a comunidade sobre o seu papel em contribuir para a diminuição das infrações.
Apesar de todos os avanços, os desafios continuam e para avançar na trilha do sucesso da política de segurança, a Prefeitura fez com consulta popular o III Plano Municipal de Segurança Pública, que tem três focos principais: o enfrentamento do crack e outras drogas, os crimes contra o patrimônio e a violência doméstica, e dentre as medidas destaca-se a prevenção com ações culturais e de lazer, especialmente para a população jovem. A meta geral para os próximos cinco anos é estabilizar a taxa de homicídios em um digito por grupo de 100 mil/habitantes.
Assim, vemos que além da segurança propriamente dita, percebemos o renascimento econômico do município. Mais segura, Diadema atraiu novas empresas, criando mais de 30 mil novos postos de trabalhos em 10 anos. E passa também por um boom imobiliário, com a aprovação da construção de mais de 5 mil apartamentos.
Diadema amadureceu rápido com um aprendizado que obteve ao dar a volta por cima e exigir uma vivência plena com mais respeito, solidariedade e, acima de tudo, muita paz para todos. Essa base garante que devemos procurar consolidar no país um novo paradigma de segurança pública, onde só será possível conquistar a tranquilidade cidadã quando ela for construída de forma democrática e a partir da participação da sociedade. Este texto é escrito na esperança de incentivar os gestores municipais a perceberem como sua atuação pode ser fundamental para minimizar os problemas relacionados à segurança pública, dado que esta é uma área extremamente intersetorial, e que todos os esforços são bem vindos para criarmos um Brasil mais seguro.
*Mário Reali é Arquiteto e Urbanista, mestre pela Faculdade de Urbanismo da USP, foi deputado estadual e é prefeito de Diadema. Arquimedes Andrade é Sociólogo, secretário de Defesa Social de Diadema e pós graduando em gestão pública
fonte: Carta Capital

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